A Hidra
Você pergunta meu nome e como vim parar aqui. Para te falar a verdade, desejei estar aqui. Só consegui ser presa depois de oito cabeças cortadas e, por fim, cauterizadas. É uma história bizarra; acho que você nem vai acreditar. Se você achar pertinente, faça um filme mental. Me chamo Dalva, mas todo mundo me chama de Dalvinha.
Era mirrada e sem graça. Tinha os cabelos longos e negros à altura dos quadris; raramente os cortava. Fazia um rabo de cavalo para não me atrapalhar nas tarefas de casa. Na minha penteadeira não dormiam nem batons, nem cremes. Folheava revistas de famosas tentando me achar em alguém, em vão. Pelos cantos, como uma lagartixa, vivia me escondendo de tanta timidez. Jamais me envolvi em qualquer decisão familiar, inclusive quando me foi arranjado um casamento. Uma vantagem eu tinha. Como minha mãe nunca me contou histórias de Cinderela ou Branca de Neve, por absoluta falta de tempo, nunca desejei um príncipe encantado. Se fosse o caso, bastaria um destes sujeitos que passam pela calçada. Não tinha uma imagem subliminar de que só seria feliz com um amor romântico. Abstrato demais. O arranjo do casamento não foi aos moldes dos coronéis, nem dos costumes árabes, muito menos dos preceitos judaicos. Na verdade, meu marido foi o único homem que mostrou algum interesse por mim. Meus pais, temendo por minha solteirice, aproveitaram a ocasião para empurrá-lo para cima de mim.
A festança corria animada. O garrote a arder na brasa e os convivas falando alto davam o clima e a sonoridade daquela noite fria de junho. Congelada estava eu; sentia que chegava a hora das núpcias. Por vezes, me pegava tremendo. O pavor era quase visível em meus olhos apertados. Fiz de tudo para atrasar o fim da festa, mas devido ao escasseamento das bebidas, pouco a pouco os convidados se foram.
Era minha primeira noite de amor. Tantas dúvidas rondavam meu cerne! Já deveria estar nua ao entrar em contato com o corpo do meu marido ou deixá-lo ir me despindo devagar? Antes de me deitar, fui à penteadeira e corri a escova nos cabelos. Puxei os lençóis. A porta se abriu num solavanco. Meu marido, num só golpe, me arrancou a camisola. Ainda teve a barreira das lingeries, que foram despedidas do meu corpo e lançadas ao céu da alcova. Sem nenhum preparatório, me possuiu, consumando a ancestralidade que trazia em sua genética. Era forte, caçador, dominador; com todo o potencial para gerar muitas crias. Animal que ganha a luta, fecunda a fêmea e introduz seu gene evolucionista. Dei um lancinante grito de dor. Não era possível ser tão doído assim. O que havia com aquilo? Fiquei feito pedra, sentindo serem rasgadas minhas entranhas. O homem nem percebeu as lágrimas que rolaram abundantes.
Na noite seguinte, me possuiu novamente. Não se preocupou em saber se meu ventre estava dilacerado. Simplesmente fez e fez e fazia, até cair fatigado. Ao desligar-se do meu corpo, pude então ver o que me alargava. Espantei-me ao ver o tamanho daquilo; um monstro, já que não me veio à mente nenhuma outra catacrese. Limitei-me a olhar para o teto. Uma vida inteira passou pela minha cabeça. Como poderia suportar, se os anos seriam longos e dolorosos?
Não havia descanso. Meu marido me fodia toda noite. Às vezes tentava ludibriar-lhe, demorando para arrumar a cozinha, na esperança de que adormecesse. Lavava cada prato de forma demorada, passando a água várias vezes nas bordas sem nenhuma necessidade, já que o sabão há muito se fora. Antes de deitar, espreitava se ele estava dormindo. Também ele me enganava, fingindo-se de morto, até que me deitasse, e então trepava em meu corpo. Em fúria vingativa, me possuía tantas vezes quanto lhe aguentavam o fôlego e a musculatura.
Como a vida é injusta! Jamais desejei matrimônio. Nem filhos. Nem nada. No meu passado morava a felicidade. Amava meus cantos. Como era bom ser ninguém. Tinha somente o dia e a noite. Os passarinhos cantam alegremente do lado de fora da casa. Era completa em minha quietude. A companhia da solidão jamais foi um estorvo. Agora o inferno, aquele inferno, que talvez nem Dante pudesse imaginar, instalou-se em minha vida.
Precisava pôr termo naquele martírio. Preparei para ele um jantar que adorava. À base de carnes vermelhas e tubérculos diversos. Certifiquei-me de que o sonífero era mesmo potente e coloquei uma boa dose em sua bebida. Após terminar de se fartar, ele foi para o quarto e caiu imediatamente em sono profundo. Parecia dar certo. Certifiquei-me cutucando-o. Inspirei-me no açougueiro preparando os bifes. Fui à despensa e retirei de um esconderijo a peixeira amolada. Fui ao corpo dele; abri a braguilha de suas calças. Segurei aquilo pela ponta e na base, passei-lhe o gume. Convulsionou o corpo, mas não acordou. Saí correndo para a casa dos meus pais e me enfiei debaixo da cama. Repassei mentalmente o que diria. Considerei sucumbir à sua ira. Pensei na polícia, nas grades e no pecado cometido. Meu cérebro misturava explicações a dar e alívio por ter finalmente me livrado daquilo. Lentamente, peguei no sono. Ao acordar, ouvi sua voz grave e calma conversando com meu pai. Minha mãe veio me chamar. Assustei-me com aquele homem sentado no sofá da sala tomando café. — Vamos? — Ele disse. Do portão para dentro, me arrastou pelos cabelos. Seus poros exalavam lubricidade. Impudico, baixou as calças. O horror estava diante dos meus olhos. Aquilo tinha duplicado em tamanho e circunferência e agora tinha duas cabeças.