Crônica de Hollywood

Roger Salgado
6 min readSep 21, 2024

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No outono continental norte-americano de 2018 desembarcamos na terra do Tio Sam. Era período eleitoral no Brasil e a tensão estava à flor da pele; havia um candidato outsider liderando as pesquisas. No entanto, por querer aproveitar a vida, estávamos bem mais interessados em The Mamas and The Papas que pesquisa eleitoral, mais em “gentle people with flowers in their hair” que debate na TV. Apesar de já ter visitado outros lugares dos Estados Unidos, conhecer a Califórnia era um sonho a ser realizado! Essas ideias não saíam da minha cabeça. Conhecer o estado dourado, a república do urso, fazia muito sentido. Ficamos alguns dias em Houston. Em Las Vegas alugamos um carro para viajar até Los Angeles e, de lá até São Francisco pela famosa rodovia Highway 1. Isso acabou acontecendo, mas uma história curiosa aconteceu antes.

De acordo com nosso cronograma, feito sem qualquer ajuda de uma agência de viagens, passaríamos três dias em Los Angeles. No primeiro, exploramos o píer de Santa Mônica, conhecemos as mansões de Beverly Hills, demos uma volta na Rodeo Drive e por fim visitamos os estúdios de cinema da Paramount.

No segundo dia, decidimos explorar algo mais autêntico e um pouco menos turístico. Há uma canção que diz que nunca chove no Sul da Califórnia, então pegamos o carro e dirigimos até Malibu. Passamos a manhã na praia, observando os surfistas deslizarem pelas ondas. A brisa do mar e o som das ondas eram revigorantes. Almoçamos em um pequeno restaurante local, onde experimentamos tacos de lagosta e outros frutos do mar, frescos e deliciosos. No restante do dia aproveitamos para conhecer os outros pontos famosos da cidade.

No terceiro dia pela manhã fizemos a obrigatória visita à Calçada da Fama, ao Dolby Theatre, onde acontece a entrega do Oscar, e, não foi unânime, às lojinhas de souvenirs. Logo depois almoçamos em um lugar qualquer. Antes de chegar à América eu já tinha o desejo de apresentar aos meus amigos as novidades liberais da terra ensolarada.

Assim, logo depois do almoço, fomos visitar uma loja que havia sido recentemente autorizada a funcionar. A loja MedMen era realmente impressionante! Na entrada tivemos que apresentar nossos passaportes; que foram escaneados por um tipo de controlador de segurança.

A primeira impressão que tivemos foi que a loja lembrava muito uma Apple Store. Os produtos estavam dispostos sob grossos vidros e as dezenas de tablets permitiam que os clientes visualizassem todas as informações disponíveis. Embora ainda não houvesse tradução para o nosso idioma, era fácil entender a indicação de cada produto. Pelas paredes havia freezers de bebidas e, ao longo da loja, prateleiras continham uma grande variedade de produtos.

No fundo da loja havia um balcão específico para a encomenda de produtos in natura. No entanto nosso objetivo principal era apenas conhecer o local, então optamos por comprar e consumir ali na calçada somente itens leves, como balas, chocolates e sucos, já que havíamos almoçado pouco antes.

Depois de nossa visita à loja pegamos o carro e seguimos em direção ao observatório Griffith. O programa do dia, além do centro de Los Angeles, era ir ao observatório e depois ao Lake Hollywood Park, para ver o famoso letreiro. Nas curvas da subida senti repentinamente minha cabeça pesar. Ao estacionarmos e sair do carro passei a me sentir leve e pastoso. Perguntei ao grupo se estavam sentindo o mesmo. Estavam. Comecei a me deslocar ao ponto comum de observação. O local estava cheio de turistas e era possível ouvir várias línguas diferentes. De repente me senti na Torre de Babel. Os sons da natureza se misturaram com os falantes, os quais, pude entender perfeitamente o que diziam. A vista lá de cima era simplesmente deslumbrante, proporcionando uma visão panorâmica da cidade. Isto me deixou maravilhado.

Para minha surpresa dentro da multidão avistei Juscelino Kubitschek, Lúcio Costa e Burle Marx. Me aproximei timidamente, mas fui bem recebido por eles. Fiquei extremamente feliz e emocionado ao tê-los ao meu lado e poder expressar toda a minha admiração e compartilhar minhas ideias para a capital das Gerais. Eles me ouviram com interesse. Como era período eleitoral, entrei em uma seara política e comecei a expor minha visão para uma cidade melhor.

Imagine só: acordar em uma manhã ensolarada de sábado em um apartamento recém-reformado no Centro de Belo Horizonte, fruto de um bem-sucedido programa de revitalização de prédios abandonados, transformados em moradias no coração da cidade. Após alguns minutos de caminhada chegar na renovada e convidativa Praça 7, tomar um café da manhã com pão de queijo e o melhor café gourmet do mundo; em seguida, pegar o metrô e rapidamente chegar à Pampulha. Diante do renovado espelho d’água, a tarefa mais difícil seria escolher entre a vasta diversidade de esportes náuticos para praticar na lagoa. O vento balança as folhas das árvores que margeiam a orla, e você percebe que a melhor opção é velejar.

Após horas sobre um veleiro, um rápido mergulho na lagoa para se refrescar e estar pronto para as próximas atrações do dia. Em uma bicicleta elétrica, você cruza as centenas de quilômetros de ciclovias da cidade, atravessa o Bairro da Lagoinha sobre os antigos viadutos e pára no início da Avenida Afonso Pena, onde outrora havia uma rodoviária e agora há um moderno hub que liga vários pontos da grande metrópole. Neste lugar, que é o coração da capital, você embarca em um VLT até a Praça da Bandeira e, de lá percorre, à pé, um agradável e arborizado caminho em direção à Praça do Papa. As horas passam, mas você nem percebe. No antigo Parque das Mangabeiras, agora completamente revitalizado, você se senta em um banco defronte à uma linda instalação artística que celebra o espírito mineiro do acolhimento. Mirando para o infinito, você vê um belo horizonte ao entardecer, transfigurado por um sol alaranjado, transcendental e espetacular, enquanto às suas costas começa a se acender os refletores que iluminam o gigantesco letreiro hollywoodiano onde se lê o nome da capital de Minas Gerais.

No outro dia, você pega um confortável trem na estação ecológica do Belvedere até o Instituto Inhotim em Brumadinho, o maior museu a céu aberto do mundo; uma maravilha da humanidade que atrai turistas de toda a parte. Caso seu interesse não seja a natureza ou arte moderna, pode optar por um transporte rápido por uma estrada duplicada até Ouro Preto e ou Mariana, para conhecer o passado histórico e libertário do Estado. Ao regressar você pode visitar o centenário Mercado Central e aproveitar o ininterrupto Festival Comida de Buteco, que funciona 24 horas por dia.

Eles ouviram encantados a proposta e me disseram que eu deveria entrar para a política para lutar por esse sonho. A conversa seguiu animada, mas de repente meus amigos chegaram e me repreenderam, dizendo que eu gesticulava muito e falava sozinho. Eles estavam bastante alterados, trôpegos e disformes. Fomos nos arrastando uns aos outros até nosso carro. Passamos o resto da tarde com o ar-condicionado ligado, posicionado ao máximo e o motor funcionando para não esgotar a bateria. O sol ardia inclemente do lado de fora. A tarde quedava e não sabíamos o que fazer. Tanta coisa baratinava nossas mentes! Seriamos presos, deportados?

Quando ficou bem tarde e o estacionamento estava quase vazio, tivemos que tomar coragem para sair dali. O motorista do grupo, que estava um pouco melhor, numa manobra surpreendente, pôs o carro em movimento. Momentos antes, ele conseguiu colocar o endereço do hotel mais próximo no GPS e voamos para lá. Com o movimento do carro pelas curvas da descida, dezenas de garrafas de água vazias se misturavam com nossos corpos liquefeitos. De bocas incontroláveis saiam gritos estridentes e delirantes.

O dia seguinte nasceu para o mundo; menos para nós. Mas mesmo assim retornamos à nossa verdadeira viagem planejada, agora pela Highway 1 em direção à São Francisco.

Estávamos ansiosos para ver as paisagens deslumbrantes da costa da Califórnia, mas também sabíamos que cada parada ao longo do caminho traria suas próprias surpresas e aventuras.

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